Padre Rodolfo Gasparini Morbiolo (Fevereiro 2025) 4v266

São Lucas é o Evangelho da misericórdia concreta em favor de todos. Por isso, beber nessa fonte, alimenta nosso coração e nos fortalece para sermos perseverantes no caminho do amor que parte de Deus para nós e nos convida à missão universal. A missão da Igreja não poderia ser diferente da missão de Jesus Cristo, uma vez que ela é sua continuadora. Se a fé cristã brota do encontro com o Senhor e Mestre, a comunidade cristã só realiza sua missão e vocação, na medida em que propicia novos encontros salvíficos com o Autor e Consumador da Salvação, distribuindo seu amor e misericórdia, especialmente para com os mais pequeninos e necessitados, também os pecadores, pois é justo dar ao que não tem, o que necessita para ser e viver.

Assim: amor, misericórdia e justiça, encontram-se interligados em Deus, como esperamos que se religuem em nós e no mundo. O Evangelho lucano é, por isso mesmo, o evangelho dos pequeninos, dos pobres e marginalizados, rejeitados como Jesus Cristo o foi, mas integrados pelo Espírito Santo na comunidade daqueles que o Senhor escolheu salvar, curar e perdoar, sem condenar.

1. São Lucas foi um não judeu, natural de Antioquia (At 13,1). Era médico (Cl 4,14). Ele é o companheiro que permanece ao lado de São Paulo (2Tm 4,11), quando todos o abandonam. Seu Evangelho demonstra muito estudo e pesquisa como ele mesmo ressalta, quer na sua abertura, como na abertura dos Atos dos Apóstolos, que também foi elaborado por ele, como a primeira história do cristianismo.

2. Os pobres e marginalizados tem lugar de destaque na narrativa lucana; lembremos a parábola do rico e Lázaro (16,19ss) e a viúva no Templo (21,1ss).

3. Também as mulheres alí tem destaque: Isabel (1,5ss), a Virgem Maria (1,26ss), a profetisa Ana (2,36ss). São chamadas a ser discípulas (8,1-3) e se encontram no caminho da crucifixão (23,26ss).

4. É grande o destaque ao tema da misericórdia, seja pela clássica parábola do pai misericordioso (15,11ss), como pelas outras pequeninas que a antecedem. E é inegável sua centralidade literária e teológica no Evangelho.

5. O tema da salvação levada a todos também está presente com São João Batista a anunciando (3,6), como ainda pela visita de Jesus aos samaritanos (no bloco narrativo 9,51-18,34), e justamente pela parábola do bom samaritano (10,29-37), onde Jesus redefine o significa de “próximo” e de proximidade. Finalmente, também a piedade dos publicanos, em contraste com a dos fariseus, é ressaltada (18,9ss).

6. Enxergamos três etapas ao longo da narrativa: ministério de Jesus na Galileia (4,14-9,50), sua missão entre os samaritanos (9,51-18,34), e finalmente a agem por Jericó e Jerusalém (18,35-23,46).

7. A personalidade de Jesus é forte, com clara consciência e de sua missão (4,18-19). A revelação do amor paterno de Deus é superabundante (15,11ss). A ação do Espírito Santo determina a ordem dos eventos (1,26ss; 1,39ss; 1,69ss; 3,21ss; 4,1ss, etc.).

8. Jesus tem intimidade e reza ao Pai (9,18; 11,1; 19,47; 21,37; 22,39).

9. Destaque também à forma elaborada da celebração da Eucaristia de Jesus com seus discípulos, como Seu memorial (22,14-20); Jesus é o Mestre da Nova Aliança (2,41-50). E a estabelece com o dom da sua própria vida, morrendo Ele mesmo como profeta perseguido na cidade que mata os profetas de Deus, Jerusalém (13,34-35).

Nosso objetivo não é esgotar a riqueza do Evangelho com anotações; apenas, pelo contrário, ressaltar aspectos que podem iluminar a leitura e a oração do texto, bem como uma melhor e mais aproveitada participação da liturgia eucarística, e escuta da Palavra na Missa.

Para rezar as agens do Evangelho de São Lucas, além das etapas tradicionais da “lectio divina”, também a ele aplicáveis, a saber: leitura, aprofundamento, oração, meditação ou contemplação, faz-se oportuno, acrescentar outro imperativo, isto é, a ação. E tal imperativo pode ser traduzido na pergunta: “o que esta agem do Evangelho me convida a fazer por amor a Jesus Cristo em favor dos pequeninos?”.

São Lucas valoriza a catequese da Igreja nascente, voltada aos ambientes sociais que não tiveram a oportunidade de conhecer Jesus e a cultura judaica pessoalmente; por isso, depois de larga pesquisa oferece seu ensinamento. Aprendemos com São Lucas, que toda a nossa pesquisa, todo esforço de conhecimento da fé, toda a nossa oração, precisam desembocar numa ação evangelizadora coerente com a fé que recebemos. É nisso que se manifesta a ação profética da Igreja à semelhança da ação profética de Jesus.

Com São Lucas entendemos também que a perseguição e a rejeição, desde que entremos, de verdade, na escola profética de Jesus e não deturpemos sua Palavra e ensinamentos, são sinais de fidelidade e santidade. Também são sinais de identidade cristã. Por isso, ler e rezar o Evangelho lucano nos ajudará a compreender melhor quem somos, como comunidade de discípulos e missionários, e qual a nossa sublime missão de continuadores da obra do Senhor.

Para saber mais:

“Lucas: o evangelho da graça e misericórdia” (Mazzarolo; Konings, Edições Loyola).

“Caminhar no amor: a teologia moral do Papa Francisco” (Fumagalli, Edições CNBB).

“Documento de Aparecida”. (CELAM, Edições CNBB).