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“Não é bom que o homem esteja só” … 1f673e

A solidão é a experiência mais terrível pela qual o homem pode ar. O ser humano, se não viver em contato com seus semelhantes, não consegue nem mesmo falar, ou seja, desenvolver suas potencialidades humanas, porque ele não foi criado para viver de forma isolada, ele não é uma ilha, é uma ponte! 66d67

A famosa história de Mogli, o Menino Lobo, eternizada em filmes da Disney, não revela a dor e a tragédia vividas pelo “menino-lobo real”, (ali vemos algo romantizado). Na verdade, o verdadeiro menino (Sanichar) foi encontrado em 1867, aparentemente com seis anos de idade, por caçadores do distrito de Bulandshahr, na Índia, cercado por uma alcateia de lobos em uma caverna. Preocupados com a segurança do garotinho, os homens o chamaram e tentaram tirá-lo do covil, mas perceberam que ele não entendia o que diziam e andava de quatro, como um animal. Aterrorizados com a visão da criança andando junto com as feras, e sem poderem atirar para não atingir o menino, os caçadores atearam fogo no lugar, obrigando todos os ocupantes a sair. Assim que o fizeram, eles mataram os lobos um a um e levaram o humano com eles. Analisado pelo padre Erhardt, que dirigia o orfanato, Dina Sanichar foi avaliado com um QI muito baixo. Sem sensibilidade para compreender o background da criança, tentaram forçá-la a falar, mas Sanichar jamais conseguiu fazer isso, nem ler e escrever. Repetindo o comportamento social da sua “família adotiva”, ele se comunicava apenas fazendo barulhos de animais. Sanichar faleceu de tuberculose em 1895. Ele tinha apenas 29 anos e jamais se acostumou ao que chamamos de civilização.

É sobre isso que está nos falando hoje o livro de Gênesis. Todas as criaturas que Deus colocou ao lado do homem são lindas e úteis, mas todas são inferiores a ele; podem trazer-lhe serventia, ser dominadas por ele, mas não tem condições de dialogar com ele, e por isso mesmo, o homem não consegue conquistar a felicidade sozinho com as coisas ou com os animais, ele precisa de alguém semelhante!

Quando se lê a frase: “Não é bom que o homem esteja só”: (Lo tov heyot ha’adam levado). É muito interessante porque, até então, não aparece na Sagrada Escritura um substantivo para “homem” ou “mulher”, aparece apenas um termo geral “ser humano” que, em hebraico é “Adam”, os termos “homem” em hebraico (ish) e “mulher” (ishá) só aparecem depois da criação da Mulher, “Eva”. Portanto, quando lemos no original, a conclusão divina acerca do homem, fica mais clara, pois, a sentença ganha uma amplitude inédita! Mais do que dizer “Não é bom que o homem esteja só”, dizemos “não é bom que O SER HUMANO esteja só”.

Numa primeira tradução, mais genérica, vem logo a mente a imagem do Sacramento do Matrimônio e a ideia não está de todo errada, mas está incompleta! Porque antes de qualquer coisa, esta palavra quer dizer que não é bom para a sanidade mental do homem isolar-se na solidão. Ademais, se essa frase dissesse respeito somente aos que se casam, a Bíblia se contradiria, pois ela mesma diz que há pessoas que não têm vocação para o casamento, no caso, as pessoas celibatárias; Jesus disse isto e também São Paulo em sua Carta aos Coríntios.

O hagiógrafo de Gênesis nos diz que o ser humano foi criado a imagem e semelhança de Deus, ora, Deus não é um Ser solitário, mas desde sempre e para sempre, um Ser que se relaciona. A Santíssima Trindade é relação! Isso implica que, por esta imperiosa razão, também nós somos seres de relações. Nós nos humanizamos na medida em que nos relacionamos com os outros, numa relação de “alteridade”.

Como dizia Martin Buber (filósofo existencialista) existem duas formas básicas do homem se relacionar: Eu-Isso e Eu-Tu. Na primeira, o homem se coloca diante do outro como “algo” objetivo, e nessa atitude, se torna incapaz de se conhecer e se reconhecer no outro. Já a relação “Eu-Tu” é marcada pelo impacto da presença do outro. Por isso Buber diz, o “Eu” só nasce após a percepção de um “Tu”.

Até mesmo Marx, o ingênuo materialista, em sua obra “O capital” irá dizer: “o ser humano se vê e se reconhece primeiramente em seu semelhante”. Por isso, quando Adão vê Eva, depara-se com um “outro”, iniciando assim uma relação de “alteridade”, que até então, não podia estabelecer plenamente com as demais criaturas. Adão se vê, se identifica e exclama: “Desta vez, sim, é osso dos meus ossos e carne da minha carne! Ela será chamada ‘mulher’ porque foi tirada do homem“.

Aristóteles, o grande filósofo grego, que definia o ser humano como “zoo-politikon” (animalis socialis) afirmou: “Um homem pode viver uma vida sem amor, mas jamais sem amigos.” Com este pensamento, ele destaca a importância fundamental da amizade para o ser humano. De acordo como Estagirita, a amizade é uma virtude necessária para uma vida plena, pois os amigos não apenas nos proporcionam companhia, mas também nos ajudam a desenvolver nossa moralidade e caráter. Enquanto o amor romântico pode ser transitório ou ausente em algumas fases da vida, a amizade verdadeira oferece e, confiança e um senso de comunidade indispensáveis para o bem-estar. Como anda nosso ciclo de amizades? Temos amigos? Dizia um pensador: “Sozinho, chega-se mais rápido; mas juntos, chega-se mais longe!”

Tudo isto ganha uma amplitude ainda maior para nós que somos cristãos, pois, como nos atesta a Palavra, somos o Corpo Místico de Cristo, e também como diz o Apóstolo São Paulo, “nós, embora sejamos muitos, formamos um só corpo”! (Rm 12, 5).

São Paulo, referindo-se ao casamento, irá dizer: “Porque nunca ninguém odiou a sua própria carne; antes a alimenta e sustenta” (Ef 5, 29). Todavia, esta frase também se aplica ao Corpo Místico de Cristo que é a Igreja, a Esposa do Cordeiro. “Ninguém jamais odiou a própria carne”.

Como é triste quando pessoas que deveriam ser “homens de Deus”, veem o Corpo Místico de Cristo ferido pela fraqueza de seus membros, vê as feridas abertas sangrentas e purulentas e ainda se regozijam, sentem prazer na desgraça alheia, como se ela não o afetasse. É um prazer demoníaco. Divulga-se a miséria do irmão aos quatro cantos, coloca-a no “grupinho” fechado de WhatsApp e se escarnece como satanás! São pessoas desprovidas de inteligência, pois “ninguém jamais odiou a própria carne”! “Se um reino estiver dividido contra si mesmo, tal reino não pode subsistir.” (Mc 3,24).  Caríssimos, como dizia o Santo Bispo Doutor da Igreja, Agostinho: “A discórdia é a aliada do demônio; a paz, o caminho de Deus.”

É necessário, portanto, que superemos uma visão distorcida da realidade que faz com que nos vejamos como “concorrentes”, “adversários”. Como dizia Paulo Campos, escritor e poeta brasileiro: “Os homens vivem apostando corrida… Nos escritórios, nos negócios, na política nacional e internacional, nos clubes, nos bares, nas artes, na literatura, até amigos, até irmãos, até marido e mulher, até namorados todos vivem apostando corrida. São competições tão confusas, tão cheias de truques, tão desnecessárias, tão fingindo que não é, tão ridículas muitas vezes, por caminhos tão escondidos, que, quando os atletas chegam exaustos a um ponto, costumam perguntar: “A corrida terminou! mas quem ganhou?”

Os braços fortes de Caim não lhe foram dados para derrubar e matar o irmão; foram-lhe dados para levantá-lo, para ser e. Se vivermos unidos, o demônio que Jesus expulsou no Evangelho, também será expulso de nossas comunidades, pois sendo ele todo ódio, não ará o nosso amor. E amor tem uma força de exorcismo!

 

Pe. Wagner Lopes Ruivo

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